SEGMENTO 1

Cartografias de histórias interrompidas

REFERÊNCIAS
MICHEL DE CERTEAU
A invenção do cotidiano (Vozes, 1998)
MICHEL MAFFESOLI
A contemplação do mundo (Artes e Ofícios, 1995)
No fundo das aparências (Vozes, 1996)
NA MÍDIA

Espaço público ganha ressignificação e valor afetivo na pandemia

Reportagem sobre a importância da ressignificação dos espaços públicos no Brasil

No cenário de modificação do convívio em espaços públicos, determinado pela Crise Mundial de Saúde pela Covid-19, a abordagem dos espaços públicos cariocas, nesta pesquisa, foi colocada em (re)consideração, já que nos momentos mais críticos da Pandemia, quando a quarentena foi imposta aos cidadãos, tornou-se impossível realizar o trabalho de campo.

A proposta inicial do projeto guarda-chuva era mapear as ambiências urbanas na metrópole do Rio de Janeiro, com foco nos espaços de convívio que possibilitavam a manutenção da sociabilidade urbana e a categorização de uma possível Empatia Espacial (conceito desenvolvido pelo LASC/UFRJ desde 2014). Com a deflagração da Pandemia, a impossibilidade de atuar na pesquisa de forma presencial exigiu uma reformulação da proposta e de sua metodologia. Esta passou a se apoiar na busca pela condensação de diferentes narrativas e no mapeamento dos espaços valorizados como “casa” e “lugar” por meio de uma ferramenta de pesquisa remota (survey eletrônico), distribuída livremente a diversos informantes. Neste momento, fundamos um segmento da pesquisa original, que tinha como meta coletar as histórias de vivência urbanas que foram estigmatizadas ou interrompidas pela Pandemia, por isso, o título tornou-se “Cartografias de histórias interrompidas”.

O método desenvolvido para angariar os dados buscou conjugar a coleta de imagens, textos e impressões por meio de perguntas direcionadas em ambiente virtual (formulário eletrônico), promovendo, por meio de análises posteriores, um tensionamento entre diferentes respostas. As respostas obtidas, provenientes de mais de 240 informantes espalhados pela grande região metropolitana do Rio de Janeiro, permitiram a exploração de dados georreferenciados e das consequentes relações de afeto associadas a esses dados (saudade, esperança, desprezo ou medo). Buscava-se descobrir as histórias citadinas que foram interrompidas pela Pandemia, assim como as impossibilidades de convivência na “nova cidade” pandêmica. Descobriu-se, entretanto, que as histórias não foram interrompidas, pois, mesmo diante da insegurança do momento, o espaço público (como objeto de encontro, fruição e múltiplas possibilidades) continuava sendo visto como resposta às experiências positivas de urbanidade.

Resguardados os cuidados e os momentos adequados, a pesquisa adotou esse novo viés e mapeou os atributos e as sensações que permitem determinar uma vitalidade urbana capaz de fortalecer o elo social, mesmo em momentos excepcionais. Como percebemos, não apenas se mensura o espaço físico de dimensões definidas, ou o espaço topológico e situacional, mas também o espaço de uso e de expressividade cotidiana, que garante a justaposição de tempos, vínculos e permanências, como De Certeau expôs (1998) em sua análise do cotidiano. Nas respostas apresentadas, também o espaço de transgressão e de vivência foi verificado, tributado entre o público e o privado, como citou Maffesoli (1995).

A cidade é, decerto, invenção humana e representa muito mais do que sua localização geográfica, a densidade populacional e os estatutos. Toda cidade reside em suas relações e fenômenos sociais, culturais e econômicos, sendo tecida por histórias cotidianamente sobrepujadas pelas narrativas, muitas vezes fabulosas, de vidas que também a ajudam a se construir. Esta etapa da pesquisa demonstrou que as cidades buscam ressignificar-se diante de grandes eventos e que o viés cultural interfere profundamente nessa ressignificação.  Além de produções científicas (artigos e resumos expandidos), a pesquisa foi apresentada pelo Radar Imobiliário do ESTADÃO e, no dia 26/12/2020, o LASC/PROARQ/UFRJ foi citado na edição do #JornaldaCultura. A reportagem frisou a importância da ressignificação dos espaços públicos no Brasil, em especial durante a pandemia de 2020 e nos anos subsequentes, 2021 e 2022, com base em resultados do método de pesquisa “Cartografia de histórias interrompidas“.

Metodologia

SURVEY eletrônico

Coleta de imagens, textos e relatos em formulário online (2020).

georreferenciamento participativo

Uso do Google Forms e da plataforma Vicon SAGA° (Leonardo Muniz°) para mapear os afetos no espaço urbano.

VISITAS DE CAMPO e croquis etnográficos

A partir de 2022, exploração dos locais mais citados, com croquis etnográficos e registros in loco.

Etapa 1

PRODUÇÃO

Mapa georreferenciado que reúne os locais de moradia e os espaços urbanos valorizados pelos respondentes, evidenciando suas percepções sensíveis e relações de pertencimento na cidade do Rio de Janeiro

Síntese visual dos dados coletados no formulário da Etapa 1, com gráficos automáticos que apresentam perfis dos participantes, categorias afetivas e percepções espaciais registradas durante a pandemia

Os resultados preliminares dessa etapa podem  ser verificados em vídeo produzido pela equipe de estudantes de Iniciação Científica

REFERÊNCIAS
Roberto DaMatta
A casa & a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil (Rocco, 1997)
Marco Antonio Mello; Arno Vogel
A favela e o asfalto: um estudo sobre a habitação no Rio de Janeiro (Zahar, 1980)
ETHEL PINHEIRO
Cidades ‘Entre’: dimensões do sensível em arquitetura OU a memória do futuro na construção de uma cidade

Tese de doutorado. Programa de Pós-graduação em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2010.

 

SURVEY ELETRÔNICO / 2020–2021

Para se entender o mundo por uma determinada subjetividade, como explicita Pinheiro (2010, p. 54), é necessário buscar os aspectos sensíveis que moldam o próprio mundo urbano, bem como a estrutura interna e relacional de todo o corpo que habita esse espaço. A busca por dados mensuráveis no espaço urbano (como a amplitude, a temperatura ou o zoneamento espacial), associada ao olhar sensível do arquiteto e urbanista, resulta numa melhor experiência humana, experiência que se torna qualitativamente analítica quando pesquisas adotam o viés etnográfico, por meio de anotações, registros gráficos ou contato proximal entre formas sensoriais (fotografia, vídeo ou narrativa oral), capazes de revelar traços de memória.

Teste-piloto

A metodologia revisada para responder ao segmento “Cartografias de Histórias Interrompidas” apoiou-se na definição de perguntas capazes de gerar respostas tanto quantitativas quanto qualitativas. Essa primeira fase ocorreu entre abril e maio de 2020, com reuniões remotas da equipe para definir a estratégia mais adequada.

Assim que o formulário foi construído no Google Forms, incluindo solicitações de dados objetivos e de informações sensíveis (percepção da cidade, sensações relativas à vivência ou às lembranças do espaço), um teste-piloto foi aplicado, em junho de 2020, a um grupo focal de estudantes de pós-graduação. Após ajustes, o survey foi replicado nas redes sociais e no site do grupo de pesquisa LASC entre agosto e outubro de 2020.

Georreferenciamento Participativo Vicon SAGA

A etapa posterior ao teste-piloto consistiu em discussões internas sobre a necessidade de uma plataforma que permitisse a entrada de dados por múltiplos usuários e de um “input” livre, favorecendo a manutenção e a análise dos dados espaciais a partir de categorias narrativas presentes nos discursos. Esse processo foi denominado “georreferenciamento participativo”.

Como nenhuma plataforma individual atendia às duas funções – coleta de informações e disposição georreferenciada –, optou-se por separar os processos em duas ferramentas: Google Forms, para a aquisição de dados geoprocessados, e ViconSAGA, apresentada pelo parceiro de pesquisa, Geo. Dr. Leonardo Muniz, para georreferenciamento dos resultados. Com essas ferramentas, elaborou-se um novo formulário do tipo survey, acompanhado de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em conformidade com as diretrizes do Conselho de Ética, contendo questões que permitissem compreender as relações sensíveis presentes na vida dos informantes.

Esperava-se que o formulário revelasse histórias de luto, dor ou afastamento da cidade em função do isolamento social provocado pela pandemia. No entanto, as “histórias interrompidas” não apareceram de forma significativa. A pesquisa acabou por reforçar o valor do espaço público, a partir da análise das respostas obtidas por meio de formulário eletrônico e das visitas aos espaços mais mencionados pelos respondentes, realizadas no final de 2022 e no início de 2023.

Tabulação e espacialização das respostas

Após a recepção de mais de 240 respostas, majoritariamente de moradores do Sudeste, sobretudo da capital do Rio de Janeiro, foi possível tabular e analisar os dados quantitativos e qualitativos.

A plataforma ViconSAGA permitiu georreferenciar as respostas e construir uma cartografia simultaneamente geográfica e sensível, uma vez que cada ponto no mapa expressava sensações e relações de pertencimento: seja em relação à “própria casa”, seja aos espaços públicos circundantes, representados pelas cores rosa e azul do gráfico.

O resultado final consolidou 128 respostas provenientes de diversas regiões da capital, delimitando tanto o local de moradia quanto os espaços valorados pelos respondentes. Esses pontos incluíram bairros como Grajaú, Cachambi, Ilha do Governador, Urca, Botafogo, Copacabana, Mesquita, Deodoro, Realengo, Campo Grande, Duque de Caxias, Teresópolis, Petrópolis e Volta Redonda.

Análise das narrativas e categorias de valoração espacial

A partir dos depoimentos coletados no survey, ampliou-se a circunscrição das narrativas, muitas delas marcadas por referências saudosistas ao espaço público anterior ao isolamento social. Grande parte dos informantes associou suas sensações ao espaço “valorado” da casa, onde passaram a permanecer a maior parte do dia, buscando ressignificar a moradia e, em muitos casos, incorporando a calçada ou a praça em frente como extensão do lar, fenômeno observado tanto em bairros centrais quanto em periféricos.

A predominância das respostas concentrou-se na capital do Rio de Janeiro, seguida por municípios como Duque de Caxias e Petrópolis. O segundo passo analítico foi classificar os locais indicados como “casa valorada” e “lugar valorado”.

Casa valorada: o ambiente doméstico como protagonista das relações sensíveis.

Lugar valorado: espaços públicos coletivos tomados como extensão simbólica da casa no contexto pandêmico.

Lugares notáveis, como praias, Cristo Redentor, Lagoa Rodrigo de Freitas e Pão de Açúcar, apareciam especialmente nas narrativas de moradores da orla, para quem essas paisagens eram visíveis da janela. A maior parte dos informantes residia em bairros da zona sul (Ipanema, Copacabana, Laranjeiras, Flamengo), mas dados significativos também surgiram de Cachambi, Vila Isabel, Barra da Tijuca, Recreio e Bangu.

Relações sensíveis e categorias emergentes

As categorias “casa valorada” e “lugar valorado” permitiram observar nuances das relações sensíveis presentes na cidade. As narrativas revelaram mudanças na percepção do cotidiano e na visão de um lugar habitável, indicando que narrar o espaço tornou-se um exercício mais poético, permeado por cheiros, sons e imagens, incorporados como parte fundamental da experiência de cada lugar.

Para alguns informantes, o local de moradia foi o espaço que mais provocou mudanças; para outros, a perda da vivência da cidade foi o fator mais significativo. As respostas de luto ou de angústia foram poucas e não indicaram alteração substancial nas relações afetivas com a cidade, que permaneciam marcadas pelo desejo de movimento e pela esperança, frequentemente exteriorizados sem controle.

As respostas que expressavam insegurança, medo ou angústia foram igualmente raras e, quando presentes, associavam-se a informantes residentes em áreas periféricas. Nessas regiões, a ideia de espaço público revela-se truncada, pois a “rua vira casa“, como poderiam dizer Marco Antonio Mello e Arno Vogel (1980).

As mudanças no cotidiano foram agrupadas em categorias analíticas. Quando emergia o conceito de “Liberdade“, o espaço público livre aparecia como descompressão; e, nesse sentido, reafirmou-se a existência de uma liminaridade entre dentro e fora, entre público e privado, ou entre “a casa e a rua” (DaMatta, 1997).

A partir dos depoimentos coletados pelo survey lançado em 2020, conseguimos ampliar a circunscrição das narrativas, sendo estas, em grande parte, saudosas das experiências vividas no espaço público antes do isolamento promovido pela quarentena. Muitos acometeram suas sensações ao espaço “valorado” da casa, onde passaram a estar o maior tempo de seu dia devido às mudanças na rotina em decorrência do isolamento e, igualmente, procuraram ressignificar a casa, assumindo a calçada ou a praça em frente como seu campo de vida,como foi o caso da totalidade dos bairros centrais e periféricos do Rio de Janeiro.

Etapa 2

PRODUÇÃO

Mapa de sistematização das práticas de campo, no qual croquis e registros etnográficos são organizados por localização no território

Síntese das etapas e resultados da pesquisa Cartografias (des)interrompidas, integrando narrativas, análises espaciais e croquis etnográficos. Apresentada na Semana de Iniciação Acadêmica da UFRJ (2023)

REFERÊNCIAS
WALTER BENJAMIN
O NARRADOR: CONSIDERAÇÕES SOBRE A OBRA DE NIKOLAI LESKOV

In ﹏. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 197-221.

 

VISITAS de campo E CROQUIS ETNOGRÁFICOS / 2022–2023

Após a análise dos dados e a construção de um entendimento da cidade “interrompida”, a pesquisa avançou para uma segunda etapa, realizada presencialmente nos bairros mencionados durante a fase de quarentena e iniciada em 2022. Nessa fase, adotamos o método de análise dedutiva, um raciocínio lógico-hipotético que permite revisitar as respostas do survey com base na presença dos pesquisadores em campo. Para orientar as errâncias urbanas (Benjamin, 1994), foi necessário identificar as categorias mais mencionadas pelos informantes, organizá-las por bairros e enquadrar as escolhas de observação, ancorando-as em teorias já consolidadas nos estudos do LASC/UFRJ.

A produção de croquis etnográficos permitiu correlacionar essas categorias e compreender como diferentes práticas urbanas se transformaram ou se mantiveram. Os desenhos revelaram que algumas rotinas se alteraram no final de 2022, enquanto outras permaneceram estáveis, indicando também que a vitalidade do espaço público, frequentemente descrita como “fonte de segurança”, se intensificou em áreas marcadas pela ausência de lazer, como nos bairros da zona norte. Assim, tornou-se possível classificar os bairros com base nas mudanças produzidas pela pandemia na vida pública ou na manutenção de narrativas anteriores, por meio da triangulação entre survey, observação participante e croquis etnográficos.

Após a identificação dos bairros mais citados, organizou-se também a categorização das narrativas que emergiam desses bairros. As classificações sucederam a partir dos tópicos Atividades/Afetos, entre os quais se destacaram:

Habitar / citar o espaço interno
Relação com o próximo
Ressignificação do lugar
Segurança
Prazer
Atividades físicas (ar livre)
Isolamento / Solidão (ou algo do tipo)
Liberdade
Prisão
Falta / Saudade 

Os bairros foram divididos entre os pesquisadores participantes, sendo cada um responsável por realizar observações em locais específicos previamente definidos pelo grupo. Para facilitar o vínculo entre os bairros citados, optou-se pela setorização da cidade do Rio de Janeiro em quatro zonas: Litorânea, Central, Norte e Oeste.

Análises etnográficas e observações de campo

A análise em campo buscou observar a apropriação dos espaços, as atividades presentes e as relações de afeto que envolviam tais lugares, por meio de ferramentas cartográficas e etnográficas. Os locais foram visitados em diferentes dias e horários, a fim de captar distintas ambiências. Assim, cada espaço público recebeu observações em mais de um momento: ao menos uma visita entre segunda e sexta-feira; outra em sábado e/ou domingo; e, ainda, registros em horários diurnos e noturnos, permitindo compreender usos cotidianos e práticas ligadas ao lazer, ao comércio e à circulação.

Durante as derivas, percebeu-se que, na Zona Litorânea, especialmente onde a praia é mais representativa, houve grandes mudanças nas relações sensíveis e espaciais. Em bairros como Barra da Tijuca, Ipanema e Flamengo, as narrativas evocavam temas ligados à segurança, ao prazer e à relação com o próximo. As visitas registraram praias mais vazias, quiosques com pouca movimentação e novas opções de permanência. Ao adentrar os bairros, observou-se uma relação mais íntima entre as pessoas e as praças e calçadas próximas às residências. Aos finais de semana, o uso das praias retomou, mas sem a mesma intensidade que antes do isolamento.

Nos bairros centrais, foram identificados relações de distanciamento e processos de ressignificação do lugar. Sentimentos como falta e saudade das experiências vividas no espaço público antes do isolamento evidenciaram o impacto das mudanças nas práticas sociais e na vitalidade urbana — impacto acentuado pelo aumento do número de pessoas em situação de rua nesse período.

Para conduzir as sondagens realizadas entre 2022 e o início de 2023, o croqui etnográfico foi eleito como ferramenta central, permitindo registrar, de forma direta e situada, impressões sensíveis. Essa técnica gráfica produz uma síntese da memória a partir do olhar do interlocutor, conectando o gesto de desenhar aos movimentos do tempo e do espaço. A expressividade registrada no papel ultrapassa a percepção visual, incorporando as subjetividades do arquiteto-etnógrafo, que narra memórias anteriores e posteriores ao momento observado. O croqui, assim, posiciona o observador como mediador entre o acontecimento e suas próprias sensações – o que corresponde exemplarmente aos princípios desta pesquisa e aos objetivos de uma interpretação mais humanizada do espaço urbano.

Resultados e interpretações sensíveis da vida pública

As práticas identificadas nas diferentes zonas da cidade permitiram compreender como as relações sensíveis foram redistribuídas durante e após a pandemia. Nos bairros litorâneos, evidenciaram-se mudanças nos usos tradicionais da praia e o fortalecimento das relações de proximidade nas calçadas, praças e pequenos espaços livres. Nos bairros centrais, prevaleceram sentimentos de ausência, saudade e ressignificação dos lugares antes associados à intensa vida pública.

A classificação dos afetos reforçou a importância de compreender cada bairro a partir da própria experiência sensível de seus moradores, destacando categorias como liberdade, segurança, prazer, isolamento, relação com o próximo, falta/saudade e ressignificação do lugar. Ao mesmo tempo, confirmou-se que a vitalidade urbana pós-pandemia depende não apenas da reocupação dos espaços, mas também de processos subjetivos de pertencimento e de reconhecimento.

Os resultados sugerem a necessidade de repensar o papel das cidades contemporâneas, especialmente quanto à oferta de espaços livres como resposta aos grandes desafios urbanos. Os croquis, ao sintetizarem camadas de memória, movimento e afetividade, mostraram-se fundamentais para revelar continuidades e rupturas nas práticas urbanas. Sobretudo, para evidenciar que a dimensão sensível molda profundamente a forma como cada pessoa habita, sente e imagina seu lugar na cidade.

Conclusões

Há uma “cidade outra” dentro das cidades pós-pandêmicas? O estudo comprova que sim.

O método de abordagem desenvolvido para “Cartografia de Histórias Interrompidas” permitiu afirmar, sem dúvida, que o espaço é movimento e que a noção de ‘casa’ é bastante relativa em cenários culturais diferentes. Lidar com essa afirmativa permite entender que as cidades brasileiras ainda resistem, com erros e percalços de toda ordem, aos dados de outubro de 2020 sobre a COVID-19, quando centenas de milhares de pessoas foram notificadas como mortas.

Tais números poderiam suscitar sentimentos de reclusão, desesperança e insegurança, como os mais representativos entre nossos informantes, mas, de fato, não foram. O papel da esperança ou da ressignificação mostrou-se mais forte em todas as situações, por meio de um esforço para possibilitar soluções de uso da cidade, mesmo diante da necessidade de isolamento que, como sabemos, não foi totalmente cumprida.

O impacto social promovido pela consolidação de um método de análise desenvolvido de forma remota, e ainda assim qualitativo, e a aceitação de novos conceitos voltados para os aspectos sensíveis do mundo urbano representaram, assim, um aumento da importância dos espaços públicos no mundo pós-pandêmico. Este estudo mostra, assim, a importância da qualidade da experiência ambiental coletiva no campo social, político e científico das cidades brasileiras. A certeza de que uma nova etapa da pesquisa precisaria se debruçar sobre as consequências de uma nova relação com os espaços citadinos no Rio de Janeiro e em outras metrópoles brasileiras se tornou evidente.